Número total de visualizações de páginas

22 de outubro de 2011

Governo e Parlamento nas relações laborais na Administração Pública

Defendo há muito tempo, mesmo quando fui Secretario de Estado da Administração Publica, que as relações de trabalho na Administração Publica deveriam aproximar se o máximo possível do sector privado. Ou seja, deveria aplicar se o principio da contratação livre das condições de trabalho através dos correspondentes contratos colectivos de trabalho obtidos através da negociação colectiva, em vez do regime de nomeação que, na pratica, deixa à administração o poder de decidir unilateralmente, através da lei, o que quer impor aos seus trabalhadores.
Ou seja, o governo utiliza para regular as condições de trabalho na "empresa" que gere, não instrumentos de gestão contratualizada, como qualquer empresa, mas instrumentos de exercício da soberania. Ao fazê-lo, o governo recusa comportar-se, nesta dimensão, como conselho de administração de uma grande holding, que é a Administração Publica, escolhendo as armas da autoridade do estado, que decorrem das suas funções de soberania.
Mas, mais do que isso, coloca os seus trabalhadores num situação de excepção, para o bem e para o mal, face aos restantes trabalhadores portugueses.
A aplicação à Administração Publica, e aos seus trabalhadores, salvo em pequenas e precisas excepções, do código de trabalho comum, constituiria um avanço modernizador das relações de trabalho na AP e os seus trabalhadores veriam reconhecido um estatuto de cidadania reforçada.
Ao mesmo tempo os governos, enquanto gestores de uma grande empresa, teriam a obrigação de se comportar como pares dos patrões do sector privado e, em sede de concertação social e de negociação colectiva, participar, como os outros, na construção dos compromissos necessários.
Este modelo, mais coisa menos coisa, existe e pode ser encontrado na Suécia.
No governo de Sócrates fez se uma tentativa mas ficou se a meio caminho. Inventou se a figura do contrato em funções publicas mas que, em minha opinião, não foi ao fundo da questão.
Na pratica criou se um código de trabalho próprio para a AP que é, no essencial, apesar de algumas inovações, o tradicional estatuto da função publica.
Tanto assim é que, mesmo num quadro de contrato em funções publicas, já longe do regime de nomeação, o governo tem a prerrogativa de decidir , de forma unilateral, a suspensão dos subsídios de ferias e de Natal, opção essa que está vedada aos privados, precisamente porque há um instrumento de exercício de funções soberanas - o código do trabalho - que condiciona e define as obrigações das partes.
Ou seja, o principio da segregação de funções não esta presente na regulação das relações laborais na Administração Publica. E seria bom que estivesse.
Daria mais trabalho. Mas seria mais claro e os trabalhadores portugueses, no seu todo, ficariam mais iguais e ganhariam com a entrada de um novo player na concertação social e na negociação colectiva: esse novo player poderia bem ser uma entidade, a criar, representativa dos empregadores públicos. Que ganharia em ser desgovernamentalisada.
Sei que esta ideia não é pacifica nem fácil de por em pratica. Mas valeria a pena discuti-lá.
Ela implicaria, desde logo, uma mudança profunda de cultura. Sim, porque mesmo agora, o Governo se prepara para, em minha opinião sem o poder fazer, decidir, por medida legislativa, o corte dos subsídios de Natal nas empresas publicas, onde se aplica o código de trabalho e não o regime em vigor na Administração Publica.
O nosso ordenamento jurídico e constitucional tem, a este propósito, que decidir se Governo e a Assembleia da Republica devem ser órgãos sociais de uma grande Holding, que é o sector publico, agindo na sua gestão como qualquer empregador, ou devem agir como órgãos de soberania do Estado e, para isso, utilizando os instrumentos que mais nenhum empregador pode usar, ou seja, a Lei, sabendo que, se assim for, não será respeitado o saudável principio da segregação de funções e o estado permanecera, mesmo enquanto empregador, com um estatuto de excepção, reservando se o direito de fazer aquilo que impede, por lei, que os outros façam.
Aqui fica este contributo que me apeteceu passar a escrito e partilhar, a propósito da suspensão dos subsídios e da discussão que se gerou sobre as relações laborais nos sectores publico e privado.

Sem comentários: