Tenho vindo a defender, no quadro da crise financeira que se abateu sobre o mundo, e da crise das dívidas soberanas que afecta os estados membros da UE, com mais ou menos gravidade, que estamos confrontados com a necessidade de repensar e refundar tudo.
Desde os mecanismos de governação da economia globalizada, passando pelo modelo social europeu, que, para ser preservado no essencial, precisa de ser repensado, até ao programa politico das esquerdas europeias e, especialmente, da social democracia europeia e dos Partidos que nela se incluem.
Sou dos que pensa, e tenho-o defendido, que os Partidos sociais-democratas, socialistas e trabalhistas europeus se deixaram, de algum modo e uns mais que outros, colonizar pelas ideias e programas neo-liberais, num movimento que começou com a Terceira Via de Tony Blair, e que o seu próprio mentor, Anthony Giddens, já veio revisitar identificando-lhe aspectos críticos.
Se o modelo social europeu constituiu, no pós guerra, uma tentativa, bem conseguida aliás, de suster o avanço do "socialismo" que soprava do leste europeu, numa clara e oportuna convergência da social democracia e da democracia cristã de então, a terceira via visou recentrar os programas sociais-democratas para fazer face ao avanço neo-liberal que marcou a época de Thatcher e Reagan.
Na altura essa saída pareceu, a muitos de nós, que a esquerda tinha, finalmente, encontrado um caminho para se afirmar como alternativa credível para governar.
A história veio mostrar que esse caminho, embora com bons resultados eleitorais num determinado momento, não foi bem sucedido. Essas opções levaram-nos a um ponto em que quase se confundem os programas políticos da esquerda democrática e da direita. Estavamos no tempo em que era comum ouvir dizer, mesmo entre nós, que o tempo das ideologias estava ultrapassado e que era preciso uma visão pragmática, em nome do que quase saiu, do léxico dos partidos do socialismo democrático, a defesa do papel determinante do Estado na regulação dos mercados. É o tempo do deslumbramento com o milagre Irlandês.
O chamado centrão, de que falamos quando falamos na situação portuguesa, é filho desse processo.
O centro-direita em Portugal foi clarificando o seu posicionamento, não enjeitando hoje a classificação de direita, e o centro-esquerda, ocupado pelo PS, tem demonstrado alguma instabilidade em escolher o seu campo com clareza e firmeza.
A actual liderança do PSD, ao afirmar um projecto politico marcadamente neo-liberal veio clarificar o seu campo e, curiosamente, ajudou a libertar o PS de alguns complexos que foi acumulando. Este processo clarificador é bom para a democracia. Ao separar as águas permite confrontar os cidadãos com modelos alternativos que, tendo em comum a defesa da economia de mercado, deixe à esquerda socialista o papel de evitar que, essa economia de mercado, se confunda com uma sociedade de mercado.
O PS está agora em boas condições para, tendo por base os princípios fundadores da social-democracia e de socialismo democrático, bem identificados na sua, mais que actual, declaração de princípios, actualizar o seu programa politico, afirmando-se como um partido portador de um projecto de esquerda democrático adequado aos tempos de hoje .
Não se trata de defender nenhuma deriva esquerdizante, que nos tornaria uma partido completamente insignificante na sociedade portuguesa e que nos afastaria dos próprios princípios fundadores do socialismo democrático.
Ser de esquerda hoje, no meu entender, é ter um programa politico que, não se confundindo com esquerdismos, seja implacável na luta contra as derivas neo-liberais que hoje dominam a Europa e o mundo ocidental.
Ser de esquerda hoje é ter em conta que o centro sociológico existe e que o mesmo pode e deve ser conquistado pela esquerda, com base em propostas de esquerda.
Daí o podermos falar que os Partidos socialistas de hoje devem situar-se no Centro-Esquerda. Estou de acordo com essa ideia.
A questão é como se deve olhar para a questão. Olhar para a Esquerda a partir do Centro, ou olhar para o Centro a partir da Esquerda. Por mim, opto pelo segundo caminho. O outro já deu os seus frutos e ajudou a conduzir o mundo até aqui.
A construção da alternativa socialista, para enfrentar com sucesso os desafios que se nos colocam, passa em meu entender por aqui.
Por um programa politico de esquerda capaz de mostrar ao centro sociológico que só tem a ganhar em acompanhar este movimento de construção de uma sociedade respeitadora da liberdade individual e da economia de mercado, mas capaz de promover um desenvolvimento integrado, sustentável e promotor da inclusão social, onde todos tenham a mesmas oportunidades de realização pessoal e profissional, de acesso à saúde à educação e protecção social.
Afirmar a esquerda como alternativa é mostrar, com base num programa politico credível, que não estamos condenados a ser governados, em Portugal e na Europa, por politicas neo-liberais, por mais bonita que possa ser a embalagem com que são apresentados.
Temos a obrigação histórica de construir esse Programa politico, que constitua a nossa alternativa em Portugal, e lutar na Europa e no Mundo, por essas mesmas ideias. A solução para os problemas do nosso País não pode ser encontrada, no contexto da globalização, fora da Europa e fora da comunidade das nações. Há que construir uma Nova Ordem Económica Mundial, e constitui responsabilidade da esquerda lutar para influenciar esse movimento.
Os próximos tempos são, por isso, tempo de reflexão e de acção.
Reflexão para preparar esse novo Programa politico. De acção porque temos que assumir, com responsabilidade, a nossa posição de maior partido da oposição. Não podemos fechar-nos para pensar, nem entrar no tarefismo da actividade parlamentar, esquecendo que temos que preparar a nossa alternativa.
E é este o trabalho que o próximo Secretário-Geral do PS tem pela frente:
a) Liderar o maior Partido da oposição, respeitando os compromissos assumidos pelo nosso Governo com as instituições internacionais, combatendo as derivas neo-liberais radicais anunciadas pela direita; e
b) Promover o debate interno no PS, alargando-o a sectores progressistas fora do PS, com vista à elaboração do novo Programa politico, com que nos apresentaremos a eleições quando isso acontecer, contribuindo para promover o diálogo com outras famílias de esquerda, dinamizar e qualificar as estruturas do Partido, introduzir uma nova cultura politica e reforçar o sentido de pertença dos militantes, combatendo todas as formas de "caciquismo" e de controlo de opinião através de sindicatos de voto.
Para esta gigantesca tarefa temos disponíveis dois grandes socialistas: António José Seguro e Francisco Assis. Qualquer deles tem suficientes provas dadas para termos a certeza que o PS ficará em boas mãos. E a sua dedicação ao PS é tal, que tenho a certeza que estarão sempre, seja qual for o resultado da escolha dos militantes, na primeira linha do combate politico pelas causas do Partido Socialista.
A escolha que temos a fazer não é, por isso, entre dois adversários. A escolha será feita entre dois camaradas que decidiram colocar-se à disposição do PS para o servir.
A minha opção está tomada e tive a oportunidade de a divulgar. Mas o que quero, acima de tudo, com a publicação deste post é contribuir para o debate que temos que travar. Uma agenda para a necessária "refundação" da esquerda democrática e modernização e qualificação do PS .
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12 de junho de 2011
Uma agenda para o PS
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