Permitam-me que comece lembrando um pouco da história.
Era uma vez uma empresa de comunicações, que tinha resultado da transformação de uma Direcção-Geral, que se chamava CTT – Correios, Telégrafos e Telefones.
Esta empresa era, naturalmente pública e viria, posteriormente, a dividir-se em duas dando lugar aos CTT – Correios de Portugal e TLP – Telefones de Lisboa e Porto. Continuaram, durante algum tempo, empresas públicas de capitais exclusivamente públicos.
A PT, que tem andado na boca do mundo a propósito da questão da utilização da golden share, resultou, precisamente, da evolução dos TLP com abertura do capital, exclusivamente público, a accionistas privados.
A privatização dos TLP, através da criação de uma empresa privada – a PT – foi uma decisão do Estado e foi feita em determinadas condições. Uma delas, e porque o Estado entendeu, e bem, que a natureza estratégica e o interesse público das telecomunicações, fixou como condição, inscrita nos estatutos da PT, a existências de acções tipo A, que constituem a chamada golden share.
Estas acções, detidas pelo Estado, não podem ser usadas, contrariamente ao que muitas vezes se faz crer, em matérias da competência do Conselho de Administração e, naturalmente, nas decisões de gestão da empresa. A PT, deve sublinhar-se, é uma empresa, de capitais essencialmente privados, cuja gestão pertence aos accionistas privados. O Estado, que só detém, directamente, as acções tipo A, não intervém, por exemplo, na designação dos membros do Conselho de Administração e, muito menos, da Comissão Executiva. Neste domínio o Estado tem a prorrogativa de vetar a designação do Presidente que, por isso, e sendo da iniciativa dos privados, deve ser articulada com o Estado. O Estado pode vetart, mas não pode designar. O Estado não tem representantes no Conselho de Administração da Empresa.
As acções tipo A servem, então, para, em matérias estratégicas, decididas em Assembleia-geral de accionistas, permitir ao Estado vetar decisões que possam por em causa interesses estratégicos do País, como tal entendidos pelo Estado, neste caso, pelo Governo.
A utilização da golden share é, por isso, excepcional e só pode ser feita em situações muito especiais.
A golden share, como bem disse o Primeiro Ministro, é um instrumento que existe para ser usado quando for necessário. Não é um elemento decorativo. E todos os accionistas, que decidiram um dia, por critérios e avaliações que só a eles respeitam, comprar acções da PT sabiam que havia golden share.
No caso em apreço, e que tanta polémica tem gerado, e não discutindo aqui a questão da legalidade, face ao ordenamento jurídico europeu, da própria golden share, o que está em causa é saber se a operação que estava em causa – venda da participação da PT na operadora brasileira VIVO – punha em causa os interesses estratégicos do País.
O Governo entendeu que sim porque, entre outras coisas, entendeu que a presença no mercado brasileiro, atenta a sua dimensão e o lugar do Brasil na economia mundial, é fundamental para a afirmação da empresa portuguesa de telecomunicações no mercado mundial das telecomunicações.
É importante que se repita e relembre que o que está em causa, com esta operação, não é proibir a entrada de alguém, neste caso da Telefónica, nos capitais da PT, de que aliás é accionista, mas a venda de uma activo da PT.
Os accionistas privados, por razões legítimas, entenderam que deviam vender e, com isso, realizar dinheiro. O Governo, porque entendeu que não ficavam salvaguardados os interesses estratégicos do País e da empresa nacional de telecomunicações, com a venda da sua posição no mercado brasileiro, decidiu utilizar a prerrogativa que tem. E usou-a. E, em meu entender bem.
E ao fazê-lo não impediu a livre circulação de capitais no espaço europeu. De facto o que a Telefónica queria não era entrar no mercado português das telecomunicações, onde já está, mas comprar um activo da empresa portuguesa de telecomunicações.
E é também por isto que não é, em meu entender, correcto, sendo até perigoso, e contrário aos interesses de Portugal e Espanha, colocar esta questão no domínio da “guerra” entre Portugal a Espanha.
O Governo português, em nome dos mesmos princípios que adoptou face a este negócio, poderia tê-lo feito, invocando as mesmas razões, se a proposta de compra daquele activo fosse feita por um grupo português. O que esta decisão visou foi impedir que a VIVO saísse do controlo da empresa portuguesa de telecomunicações e não, como se pretende fazer crer, impedir o negócio porque a proposta vinha de Espanha.
Deveria, em meu entender, ser esta a decisão independentemente do potencial interessado. É assim que vejo esta questão. E por isso apoio, sem qualquer reserva, a decisão do Governo Português.
E não metam nisto a dimensão, demagógica e perigosa, de lutas nacionalistas, como o fazem, por exemplo, o CDS e algumas forças na vizinha Espanha.
Os nacionalismos serôdios não são do nosso tempo e não servem os interesses estratégicos do País. O nosso futuro está muito ligado, não tenho qualquer ilusão sobre isso, nem tal me causa qualquer inquietação, ao que conseguirmos que sejam as nossas relações com Espanha, com quem partilhamos a nossa única fronteira.
Que saibamos estar à altura dos tempos.
E quanto à legitimidade da golden share preparemo-nos para litigar com a Comissão Europeia defendendo os nosso interesses, sem que isso ponha em causa o necessário aprofundamento da União Europeia. Estão em causa perspectivas politicas e ideológicas que temos que enfrentar. Tomando partido.
O Primeiro Ministro José Sócrates disse em entrevista ao El País, publicada no dia 4 de Julho, “Pienso que las posiciones de la Comisión Europea, desde hace muchos años, derivan no sólo de posiciones económicas, sino también de posiciones ideológicas ultraliberales contra la presencia del Estado”
Acompanho-o nesta posição. E este é o debate que temos que travar na discussão que importa fazer para sair da crise. Vamos ao “confronto” ideológico. Porque a família politica que comanda a União Europeia hoje não é a nossa família política. O Partido Socialista Europeu tem que ser capaz de construir uma alternativa social democrata para a Europa do futuro.
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